sexta-feira, 25 de junho de 2010

Dia 22 – On the road again

Já não bastando tudo o que Gana tinha feito por nós, este fenómeno Cazaque, acordou de manhã bem cedo para passar na oficina às 8 e ver in loco a caixa usada desmontada. De acordo com o “Meister Specialist” a caixa usada proveniente da sucata de Aktobe estava em bom estado. Deste facto nos deu conta o Gana durante o nosso pequeno-almoço. A adrenalina voltava a correr no nosso sangue antecipando já a hora em que o Adamastor voltaria a fazer aquilo que sabe fazer melhor: devorar “kilhómetros”.


Ao meio-dia, como prometido, lá estava ele já fora da oficina e com teste de estrada feito pelo “Meister Specialist”. Apesar disso, o especialista russo insistiu em que o dono da viatura fosse experimentar a nova caixa, com ele ao lado, para ver se estava tudo bem.

(da esquerda para direita: Especialista Russo; Marat; Gana e Anatoly)

A nova caixa não era exactamente igual à anterior por se tratar de um modelo de 1996 em vez de 1994. Segundo o especialista, devido a estas pequenas diferenças, existia um silvo agudo que se ouvia agora em substituição a um rangido anterior mais grave que fazia o Adamastor soar como um tanque de guerra. O silvo agudo causava alguma apreensão. O especialista garantiu que a caixa estava em bom estado e que aguentaria até à Mongólia e muito para além disso. A ver vamos!

Com o Adamastor em perfeito estado de saúde, fomos com o Gana traçar a nova rota que nos permitiria interceptar o percurso do Mongolian Challenge na cidade russa de Barnaul. Para este objectivo, também existiam “2 variants”:

- Ir por um caminho de montanha até à fronteira e atingir a cidade de Orsk, depois Cheylabinsk, seguindo para Omsk e finalmente Barnaul.

- Ir por dentro do Cazaquistão, passando por Astana e depois subir, pela mesma estrada que os Kudus para Barnaul.

Apesar de na segunda opção nos podermos juntar à expedição ainda antes de Barnaul, a necessidade de recuperar o tempo e os kms perdidos, a incerteza da qualidade das estradas cazaques até Astana e de Astana à fronteira russa, a possibilidade de termos novos problemas mecânicos, a sensação de maior qualidade de piso e de disponibilidade de assistência nas estradas russas, foram argumentos de peso para optarmos pela primeira opção.

Despedimo-nos com emoção de Gana, deixando-lhe um CD da grande diva do fado português Amália Rodrigues. Ele, que em conversa nos confessara ser ex-DJ e conhecer apenas Cesária Évora como referência da música portuguesa, recebeu a nossa prenda que posteriormente viria a classificar como “Amaliy iz weri good!Am laik folk, super!”

E desejou-nos “Good wei”.
Recarregamos baterias com um belo almoço de despedida de Aktobe no “Taksim”.

Programamos a Natalia para Orsk e partimos.
Tivemos pena de deixar o Cazaquistão sem ter tempo para o explorar mas a sensação de voltar à estrada encheu-nos de energia e cantávamos “On the road again!”


Tínhamos mais uma fronteira pela frente. Desta vez estávamos por nossa conta. Assim que lá chegamos, o procedimento do costume, 6 postos de controlo; três do lado do Cazaquistão e três do lado Russo.


Preenchemos formulários e compramos mais um seguro para a Rússia. Depois de alguns olhares incrédulos dos oficiais ao se aperceberem da nossa nacionalidade e de termos explicado a todos eles o nosso percurso de viagem, no 2º posto de controlo foi-nos pedido para tirarmos todas as bagagens do Adamastor. Todas!! O Adamastor estava entupido de malas até cima, mas lá lhes fizemos a vontade e tiramos uma a uma até ele ficar vazio.
Em cima de umas mesas, foram abrindo as malas, remexendo o seu conteúdo e apalpando tudo o que lhes aparecia à frente. Nem o saco de roupa suja do Carlos lhes escapou. Toda a gente viu a sua roupa interior.
Quando chegou a vez de revistar a mala do membro feminino do grupo, o oficial que se apercebeu a quem esta pertencia, apenas a apalpou e afastou-a como que constrangido por contactar com objectos e roupa do sexo oposto.

Nas gavetas da mala do Adamastor encontravam-se 1001 utensílios de mecânica que tiveram de ser abertos e explicados um a um.
Arrumamos metodicamente tudo de volta na mala do Adamastor. Após uns bons minutos, a missão estava cumprida e pudemos continuar para o posto seguinte.

Saímos do Cazaquistão e ainda andamos um par de kms em no man’s land até ao posto de controlo russo.

Aí, mais uma vez, explicamos de onde vínhamos para onde íamos, preenchemos formulários e um oficial curioso revistou os nossos passaportes para saber por que países tínhamos andado.

No posto de controlo seguinte, eis que os oficiais pedem para TIRAR AS MALAS DO ADAMASTOR!!!!

One more time!! Here we go! Toca a tirar tudo para fora novamente. Malas revistadas e apalpadas uma a uma. Chega novamente a vez da mala do membro feminino do grupo e o oficial pergunta “Alexandra, your baggage?” Depois de um sim, a atitude foi a mesma do posto cazaque, apenas a apalparam e afastaram-na como se de um bicho papão de tratasse.

Enquanto arrumávamos a malas novamente, já com o Pedro a suar em bica, veio a pergunta do costume “Guns? Marijuana? Magical?” Respondemos que não. Mas… alguém que realmente tenha algum destes itens vai responder que sim?

Após 3h30 tínhamos com sucesso entrado na Rússia novamente!

Lição aprendida: se quiserem transportar algo ilegal de um lado para o outro guardem-no na bagagem das meninas.
Já estava a anoitecer e decidimos pernoitar em Orsk.




Àquela hora da noite tudo tinha um aspecto de cidade dormitório, com tudo fechado e ninguém pelas ruas. Estava a ser uma tarefa complicada pois os placards em cirílico não são muito explícitos para quem não os sabe ler…

Encontramos um restaurante com movimento àquela hora e sorte! Tinha também um hotel por cima. O poder de regateamento de Pedro deu frutos uma vez que havia apenas um quarto disponível com 2 camas e ele conseguiu convencer a senhora que só falava russo em lá por uma cama extra.

Entretanto, o charme do Adamastor tinha atraído alguns locais que curiosamente se aproximaram e convidaram-nos para beber uma cerveja com eles.

Pousamos as malas e encontramo-nos com eles na esplanada do restaurante.

Era um grupo de jovens de Orsk que aproveitava a sua noite. Apenas um falava inglês. Roman apresentou-nos a sua namorada Elena e os seus 4 amigos Tatiana, Dimitri, Boris e Irina.





Todos com fisionomia absolutamente russa. Irina de um loiro tão loiro que magoava a vista; Helena menos loira mas com traços faciais fortes e típicos destas zonas, Dimitri baixinho (loiro também) parecia um daqueles soldados mais novos das trincheiras russas da segunda guerra mundial, Boris um menino da noite muito bem composto mas com um guarda-roupa bastante duvidoso e Tatiana gordinha simpática (ao modo da vocalista dos Gossip) tímida de olhos bonitos.
Só Roman destoava do grupo. Tinha um aspecto completamente diferente. A Xaninha aproveitou mesmo o relato de uma viagem ao Egipto para lhe perguntar se era essa a sua proveniência. Não era!! E a resposta arrancou os primeiros sorrisos da noite.
Enquanto esperávamos pelos petiscos (àquela hora já não podíamos exigir mais) fomos falando das diferenças entre os dois países. Ordenado mínimo, custo de vida e alguns aspectos culturais.
Com o estômago mais composto, após ingerir uns coraçõezinhos de galinha e umas fêveras, a confiança e bom humor cresceram rapidamente e a dada altura o Roman ofereceu à Xaninha uma moeda de 50 kopik de Rublo. Uma moeda especial de boa sorte que os estudantes russos usam guardada no calcanhar quando têm de fazer algum exame.

Isto despoletou uma troca de moedas Euro portuguesas para todos e de umas notas de 10 Rublos com direito a dedicatória em Russo. A doce Tatiana fez uma dedicatória a Pedro “From Russia with love”.


Roman falava do seu sonho em ir de carro até à Finlândia e descer até Portugal. Trocamos contactos para posteriores combinações.

Apesar da barreira linguística entendemo-nos todos com a ajuda das traduções de Roman.

Acabamos a noite com a promessa de nos encontrarmos com Roman ao outro dia às 9h pois ele insistia que deveríamos visitar a cidade dele antes de partirmos.



Aktobe (KZ) - Orsk (RUS)
Kms percorridos no Dia 22  – 250km

Kms acumulados da viagem – 7942km

Dia 21 – 7 a 0 e mais algumas vitórias

Este dia começou bem cedo, já que o Gana nos tinha dito para estarmos preparados às 8 da manhã para passarmos juntos na oficina. Fomos tomar o pequeno almoço tão cedo que no bar do hotel ainda havia gente a dormir desde a noite anterior. Dado que eram mais fluentes na língua local, não devem ter tido dificuldades em pedir as bebidas seguintes e devem ter ido ficando. Depois do pequeno almoço fomos até ao lounge do “Heaven” esperar pelo Gana. Devido a compromissos profissionais, o Gana teve de adiar o nosso encontro para a hora do meio-dia. A essa nova hora, lá estava ele, todo impante, de sorriso franco e luminoso, sempre cumprimentando a Xaninha com um beijo na mão acompanhado de uma ligeira vénia. Infelizmente, não temos um vídeo que possa documentar isto, mas seria sem dúvida uma lição de cavalheirismo para os jovens portugueses. Além de ser muito cordial, fazia-o com imenso estilo.

Já na oficina, olhámos desoladamente para o estrago feito na nossa caixa de transferências. Uma das rodas dentadas estava partida em 3 pedaços e outra roda dentada estava completamente desdentada. O diagnóstico estava feito.


Era complicado arranjar as peças em tempo útil. A sugestão alvitrada era arranjar uma caixa de transferências usada numa sucata. No entanto, devido ao modelo HDJ80 não ser muito comum nestas paragens, arranjar a caixa usada não se previa ser tarefa fácil. Segundo Gana, que traduzia o que dizia Marat (amigo de Gana e Big Boss da oficina), neste caso, podia acontecer uma de três coisas. Na versão literal do Gana, à qual achámos imensa piada:

“In this case you can have 3 variants:

- Variant 1 – The part is available in Aktobinsk and we will have it here tomorrow and install it before lunchtime.

- Variant 2 – The part is available only in Almaty and the transport time to Aktobinsk is 48 hours.

- Variant 3 – The part is not available in Almaty and we will ask the part to Dubai, but it will take us 3 weeks.”

Na variante 2 ainda havia a hipótese de pagar o transporte aéreo entre Almaty e Aktobinsk por forma a receber a peça em 24 horas, o que, mesmo assim, implicava um dia extra de imobilização da viatura comparativamente com a variante 1.
Ficámos apreensivos e registamos a hipótese de uma estada mais prolongada em Aktobe. Olhamos uns para os outros e sem ninguém dizer nada, acordamos tacitamente que ficaríamos juntos como os 3 mosqueteiros independentemente das “variantes” que pudessem vir a acontecer.
Gana combinou com Marat um ponto de situação às 18 horas relativamente à Sucata de Aktobe e outro contacto às 20 horas para informações relativas à sucata de Almaty.

Tendo a tarde livre, fomos procurar um local para poder visualizar em directo o jogo da Selecção Portuguesa de Futebol contra 11 jogadores recrutados por Kim Jong Il. Como o cliente bem atendido ao restaurante torna, voltamos ao Kmer que, além de possuir um WC excelentemente decorado, um menu ilustrado, tinha também um ecrã gigante. Forramos o estômago antes do jogo começar e fomos aproveitando para colocar algumas fotos no Madeira Off-Road já que o Blogspot estava inacessível a partir de IP’s do Cazaquistão.

(num país com 50% de islâmicos, num restaurante turco, não seria de esperar encontrar estas decorações na casa de banho)


O jogo começou e mantivémos um olho no jogo e outro nos textos do blog. Inicialmente, com mais atenção ao blog já que os jogadores da Coreia estavam a criar situações de perigo junto à defesa portuguesa. Quando Raul Meireles abriu o marcador, começamos a descurar o blog e a focalizar mais no jogo em si. Já Portugal ganhava por 4-0 quando o telefone toca. Era o Gana. Pensamento do Carlos: “Será que este gajo não tinha outra hora para ligar que não fosse durante o jogo da Selecção?” Relutantemente, atendemos. Do outro lado da linha estava um Gana entusiasmado: “I have special news for you. We found the “details” in Aktobinsk. Tomorow morning we will go and check if the box is ok. Buying used “details” is like a cat inside a bag. You never know what is coming out! If the box is good, the “meister” specialist will fit it in your car in the morning and you will be able to be on the road after lunch. ”

Com notícias destas, ficamos de dedos cruzados à espera que a caixa existente em Aktobe não fosse um cabaço velho. Se estivesse em mau estado, perderíamos ainda mais um dia, visto que, depois de abrir a caixa, seria necessário encomendar outra a Almaty, podendo esta demorar entre 24 a 48 horas a chegar.
Portugal lá foi mostrando a sua garra, colocando os coreanos cada vez mais vergados e de olhos em bico. 7-0! Números pouco habituais para um jogo de futebol que depois se viria a confirmar ser a maior goleada em fase final de um Mundial.

A goleada retumbante abriu-nos o apetite. Fomos jantar ao restaurante “sous la lune” do “Heaven”. Já a pensar na possibilidade de o dia seguinte ser o dia da partida, fintamos a ida à discoteca do “Heaven” e fomos direitinhos para a cama.


Aktobe (KZ) - Aktobe (KZ)

Kms percorridos no Dia 21 – 0km

Kms acumulados da viagem – 7692km

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Dia 20 - Heaven Normal?

Era Domingo em Aktobe. Dormitamos até bastante mais tarde do que tinha vindo a ser habitual. Quase parecia que estávamos em algum resort de alguma ilha paradisíaca, não tendo nada de importante para fazer a não ser dormir e ver os e-mails aproveitando o wi-fi. A página do blogspot estranhamente ficara inacessível no Cazaquistão, e por isso, apresentamos desde já as nossas desculpas pelo silêncio de alguns dias.


Gana foi buscar-nos para nos levar para um hotel mais central. Como não tínhamos qualquer meio de transporte e ele não podia continuar a ser nosso motorista 24h, era mais fácil para nos deslocarmos e aproveitar para conhecer um pouco mais a cidade.

Pelo caminho, enquanto atravessávamos a montanha para o outro lado, Gana informou-nos que tinha tomado a liberdade de falar com um amigo que tinha um hotel, tendo já reservado quartos para nós lá ficarmos.



Ainda meios atordoados e incrédulos com a nossa sorte de termos encontrado um verdadeiro samaritano no Cazaquistão, Gana começou a falar sobre o hotel no seu inglês cazaque. Pediu desculpa pois no centro de Aktobe os hotéis, não tinham grande qualidade e ele não nos queria deixar ficar mal. Então, o sítio que escolhera para a nossa estadia era um pouco mais caro, mas o único que ele tinha a certeza que estaria ao nível destes turistas aventureiros. Hotel com poucos quartos, calmo, com bar, vários restaurantes com gastronomia típica, um bar no andar de cima com “vista para o céu”, sauna e ainda uma discoteca privada. Depois da descrição, ele muito inseguro pergunta: “Normal? Problem?”. Tentamos reprimir o desejo de lhe dar um abraço logo ali, mas comportamo-nos e respondemos “No problem, perfect!”.

Chegamos então ao Heaven! Na verdade, o hotel não se chama assim. Visualmente as letras parecem Heaven mas o seu nome quer dizer “Sail” (navegar).

Pousamos as malas e fomos explorar a cidade.



Vagueamos pela rua central. Fomos almoçar ao local recomendado pelo Gana. Chamava-se “Taksim” e era um local muito ao estilo Hard Rock, com decoração alusiva a músicos de jazz, ao cinema e às vedetas do futebol. No menu constavam algumas iguarias cazaques (carne, carne e mais carne como os meninos gostam!)


Como bons domingueiros fomos às compras. Um dos membros da comitiva estava a precisar de roupa lavada.

À noite, aperaltamo-nos e fomos conhecer o que o “Heaven” tinha para nos oferecer.

Um bom jantar no restaurante do edifício, um digestivo no bar do último andar, ao ar livre (sim, era onde se via o céu) e, com a coragem suficiente, lá fomos conhecer o bar-discoteca.

Entramos e parecia um bar perfeitamente possível de existir em qualquer uma das nossas cidades.

O gerente veio logo ter connosco e no seu inglês arranhado lá perguntou de onde nós éramos, sentou-nos e ofereceu-nos uma bebida a cada um.

A música bombava entre No Parla Americano e fabulosas remixes de antigos temas com batidas inovadoras fabulosas.

Apesar de os Cazaques estarem bem versados na arte de dançar numa discoteca, não quisemos que ficassem dúvidas sobre a capacidade dos portugueses dominarem o dance-floor. Assim, uns com bracinhos, outros com beicinhos e outros ainda com um estilo naturalmente cool lá fomos até à pista de dança verter algumas gotas do nosso imenso charme.

Quando acabamos a bebida oferecida, um dilema pairou nas nossas cabeças: vamos berrar e fazer figuirinhas enquanto pedimos outra bebida, ou vamos já dormir? O cansaço venceu!


Aktobe (KZ) - Aktobe (KZ)

Kms percorridos no Dia 20 – 0km

Kms acumulados da viagem – 7692km


quarta-feira, 23 de junho de 2010

Dia 19 – Natália, Borat Sister

Tal como prometido, de manhã cedo, o voluntarioso homem caído do céu, Gana, encontrou-se connosco no hotel. O resto do grupo já tinha partido e tínhamos recebido a notícia de que um dos motards, o germano-suíço Arno, acabara de desistir da viagem. Nos últimos dias tinha demonstrado sinais de desalento aos quais se juntaram alguns problemas de saúde. Achou por bem voltar à Suíça com a sua moto. Boa sorte Arno! Torcemos para que tudo corra bem no teu regresso.
Seguimos então o Lexus preto do Gana até à oficina da Nissan onde ele já tinha feito os seus contactos. Os mecânicos já estavam à espera do Adamastor fazendo lembrar um verdadeiro Serviço de Urgência a postos para receber um acidentado após a chamada do CODU.
O tempo era nosso inimigo. Era Sábado de manhã e, como é normal, a oficina só funcionava até às 13h. O Adamastor foi novamente sujeito a exames rigorosos para que tentassem chegar a um diagnóstico final.
Enquanto esperávamos pelo veredicto, visitamos um centro comercial totalmente dedicado a peças e acessórios para automóveis. Como devem depreender, nada atractivo ao público feminino…
Como o prognóstico era ficarmos uns dias atrasados em relação ao plano de viagem, tivemos de arranjar forma de nos orientarmos e encontrarmos o melhor e mais rápido caminho para ir ao encontro do resto do grupo.
(Navisat Natalia)
Eis que então os olhos de Carlos vislumbram Natalia. Não foi capaz de a deixar na prateleira da vitrine. Foi logo eleita o mais recente membro da comitiva portuguesa, juntando-se às suas companheiras Lola e Gina. Com mapas actualizados do Cazaquistão e Rússia, Natália iria guiar-nos até Barnaul.
Depois de breves explicações sobre o seu funcionamento, restava-nos ser optimistas para percebermos os mapas em cirílico.
(GPS Gina)

(Sistema de Navegação - Lola)

Com o estômago a roncar, o Gana levou-nos a um bar turco “Kemer” para tomarmos o delicioso pequeno-almoço turco. Estávamos a tratar-nos bastante bem. Nada de leite em pó! Estava a começar a parecer o Mongolian Holidays. Cada momento passado na cidade de Aktobe, nos surpreendia mais um pouco. Pessoas simpáticas, um bom nível de vida e boas infraestruturas. Afinal, no Cazaquistão não há só pastores!

Já que estávamos a fazer horas, pedimos ao nosso “facilitator”, para irmos visitar a mesquita que víamos do outro lado da rua. Ele simpaticamente avisou que se calhar as mulheres não podiam entrar. Assim que lá chegamos, o responsável pela mesquita perguntou-nos se éramos pessoas de espírito aberto e se vínhamos com o bem no coração. De bom grado nos deixou entrar de pés descalços e com um lenço a tapar o cabelo da nossa menina. Tivemos logo direito a um guia que nos explicou algumas particularidades da religião islâmica. Curioso, também nos fez algumas perguntas sobre a nossa opinião sobre a sua religião e se conhecíamos o Corão.
À saída, Gana confessou-nos que apesar de ter nascido e vivido em Aktobe, nunca tinha entrado naquela mesquita. A sua religião era ajudar as pessoas sempre que podia.

Voltando à oficina, verificamos que não tinha havido grandes progressos. A caixa de transmissão tinha de ser aberta e o especialista encontrava-se a trabalhar num Rally algures na Rússia, Teríamos de esperar até segunda feira.
Bem, não estava nas nossas mãos fazer mais nada. Não tínhamos outra opção que não descansar e relaxar um pouco. Com a incerteza da reparação, de nada nos valia entrar em stress, por isso seguimos a máxima “Carpe Diem”.
Voltamos ao complexo turístico Tau e sentimos que éramos uns privilegiados por poder apreciar e usufruir da paisagem e do acolhimento cazaque.
Aktobe (KZ) - Aktobe (KZ)
Kms percorridos no Dia 19 – 0km
Kms acumulados da viagem – 7692km


Dia 18 – Um anjo chamado Gana!

Pela manhã, os Kudus presentearam-nos com mais uma das suas desorganizações. Para o pequeno-almoço não havia leite. Tentaram remediar a situação recorrendo a NAN2 (leite para lactentes) misturado com água, dentro de uma bacia, numa diluição tal que poderia ser classificado como medicamento homeopático.

Arrancamos e chegamos à cidade Cazaque de Aktobe para dar cumprimento ao registo da nossa presença junto das autoridades policiais. Este registo assemelha-se bastante à medida de coacção aplicada em Portugal aos suspeitos de crime: “Termo de identidade e residência”. Pelos vistos, para as autoridades Cazaques, todos os turistas são suspeitos até prova em contrário. Enviamos 2 batedores à frente em busca da esquadra central de polícia com a prestimosa colaboração de um taxista local (aquilo a que carinhosamente se chama Rhamdulah GPS). Através de SMS, os nossos batedores enviaram as coordenadas do local ao restante grupo que seguidamente se lhes juntou. Lá chegados, encontramos os 2 batedores a olhar com estranheza para os documentos que tínhamos de preencher.

É aqui que entra em cena o herói do dia. Nesse mesmo momento, aproxima-se do grupo um Cazaquistanês entroncado, baixo, de olhos claros e sorriso simpático que tinha acabado de desmontar de um Lexus 470 (equivalente ao Toyota H100). Apresentou-se como sendo Gana Zenko, presidente do clube motard de Aktobe. Prontificou-se a preencher um documento para que todos o soubessem preencher correctamente. Assim o fez, não sem antes ligar à sua amiga Melanie, americana da Peace Corps que, segundo ele, poderia ser útil como intérprete já que ele classificava o seu inglês como básico.


Enquanto os outros preenchiam e entregavam os documentos, Werner e Carlos testavam o Adamastor que voltava a apresentar um ruído estranho vindo da roda dianteira direita. Werner concluiu que o ruído provinha dos rolamentos.

Aproveitando a existência de uma oficina anexa à central da polícia, metemos o Adamastor no elevador e solicitamos que desmontassem a roda. Suspeitou-se dos rolamentos e efectivamente eram culpados. Fomos à Toyota comprar as peças necessárias (tarefa interessantíssima quando nós não falamos russo e eles não falam inglês) e os mecânicos instalaram os rolamentos. Num sistema Full Time 4WD é necessário ter cuidado em acertar todo o sistema quando se substitui uma das peças que constituem esse mesmo sistema. Foi esse cuidado que os nossos amigos “mecânicos de esquina” não tiveram. Habituados a trabalhar com Ladas a cair de podres, não estavam habilitados a lidar com a peça de relojoaria que é o sistema de transmissão do Toyota HDJ80. Quando fomos dar a volta de teste, após a substituição dos rolamentos da roda direita, o barulho da roda direita tinha efectivamente desaparecido, sendo, no entanto, substituído por um barulho idêntico, desta feita na roda esquerda. Isto intrigou os nossos amigos mecânicos de vão de escada que quiseram imediatamente desmontar a roda esquerda onde não encontraram nenhum defeito. Para que a roda esquerda não fizesse ruído, sugerimos aos mecânicos que retirassem o veio de transmissão entre a caixa de transferências e o diferencial dianteiro. Assim o fizeram. Ficou assim o Adamastor a puxar apenas dos quartos traseiros. No entanto, imediatamente nos apercebemos que estava com folgas e que de vez em quando fazia uns ruídos esquisitos agora já no centro do carro. Por sugestão do nosso amigo Gana, fomos descansar para o Complexo Turístico Tau, localizado nas montanhas fora da cidade e ficou agendando para o dia seguinte uma ida a uma oficina dele conhecida que seria mais especializada em veículos nipónicos (Nissan, Toyota, Lexus, Mitsubishi).





Chegados ao Hotel Tau fomos recebidos efusivamente pela restante comitiva que já descontraía na esplanada com Line Brew (a loira do Cazaquistão).
Estávamos nós a discutir sobre a possibilidade de arranjar um mecânico que trabalhasse fora de horas, quando chegou o grande Gana e a sua amiga Melanie. Gana queria mostrar-nos um rio que ficava perto do Complexo Turístico. Lá fomos guiados até ao pequeno paraíso na terra. Água límpida a chamar para uma valente banhoca. Os mais destemidos foram primeiro, fazendo inveja aos que cá fora, vestidos, viam a cena. Pouco depois, já o 3º elemento da comitiva portuguesa tinha sido empurrada para o rio com roupa e tudo.

À noite, aproveitamos a cozinha gourmet cazaque do restaurante do Tau e banqueteamo-nos longamente até horas tardias. Salientam-se as línguas de borrego, costeletas de borrego e o porco panado de meio quilo. O Julian, que estava farto de passar sede e fome, graças às ementas sovinas dos Kuduros, foi dos elementos que mais exagerou, tendo pago a factura na manhã seguinte. Falhou a hora de partida e teve direito a ser acordado pelo Mike Kuduro (red leader) a bater freneticamente à porta dos seus aposentos.


Aktobe (KZ) - Aktobe (KZ)
Kms percorridos no Dia 18 – 0km
Kms acumulados da viagem – 7692km


segunda-feira, 21 de junho de 2010

Dia 17 – Queres Cazaque comigo?

Acordamos cedinho do nosso primeiro acampamento selvagem em território Cazaquistanês, o terceiro acampamento selvagem desde o início da nossa viagem. Eram 7 da manhã e já deglutíamos uns Weetabix com leite e um sumo de ananás. Que saudável esta vida no campo!
(Para futura referência, M é a casa de banho dos homens. Neste caso, era apenas um buraco no chão.)

Pusemo-nos à estrada e fomos constatando que o Cazaquistão é uma versão do Alentejo, mas em ponto grande… algo seco, com pastos de cabras e ovelhas, muito quente e de uma imensidão impressionante.

Numa secção bastante monótona do trajecto, uma estátua de uma águia dourada chamou-nos à atenção. Parámos e fomos ver de que se tratava. A estátua estava localizada num monte de terra que se elevava acima da planura circundante. Por este motivo, um pastor cazaque tinha escolhido este ponto para controlar o seu rebanho. Fomos lá tentar estabelecer contacto, mas o cão que o acompanhava era demasiado protector, tendo rosnado violentamente em resposta à nossa aproximação. Ao regressar, vimos na estrada um carro descaracterizado com um polícia lá dentro. Saindo da viatura, dirigiu-se a nós e abordou-nos no sentido de saber quem éramos, de onde vínhamos, para onde íamos e o que estávamos ali a fazer. Presumimos que a fama do Chefe Pedro Afonso já corre nos boatos cá da terra, pelo que, devem ter pensado que íamos assaltar o pastor para arranjar um cabrito para o jantar.



Chegados ao waypoint combinado para o almoço, comemos a partir do carro da Kudu umas míseras sandes de tomate, pimento e ovo. A lição aprendida foi: “Temos mesmo de comprar um fogão de campismo!”

Arrancamos, de seguida, em direcção à vila de Zhympity onde tomamos café e alguns dos motociclos abasteceram. Durante o café, a beleza ocidental da nossa companheira Xaninha fez furor. Marat, um cazaque de 38 anos, sentou-se na nossa mesa, apresentou-se, deu o seu número de telefone e pediu à Alexandra que fizesse o mesmo. Roçou o dedo anelar no sentido de questionar se havia algum compromisso assumido. Ficou extremamente agradado ao receber uma resposta animadora. Mostrou-nos o dedo anelar dele, demonstrando que também não era comprometido. O amor não tem barreiras linguísticas, porque apesar de ele não falar inglês, nem nós falarmos russo, compreendemos perfeitamente que, se ele pudesse, teria dito: “Queres Cazaque comigo?”

(Marat o Pinga-Amor Cazaque)

O calor apertava nesse dia. Os fidalgos portugueses tinham sempre o seu ar condicionado ligado, pelo que um dia sem tomar banho não se tornava um grande problema. O mesmo não se podia dizer em relação aos motards que suavam em bica o dia inteiro e seria o segundo dia de campismo selvagem, ou seja, nada de chuveiro!

Para manter uma atmosfera respirável entre o grupo, a organização procurou um local para acamparmos com um riacho.

Chegados ao local escolhido, já ao entardecer, corremos todos a dar um bom mergulho. Alguns aproveitaram mesmo para mergulhar vestidos de forma a tomar banho e lavar a roupa ao mesmo tempo. Conceitos higiénicos diferentes!

Ao fundo avistava-se uma grande massa de nuvens e uma coluna de chuva. Montamos as tendas em 2 segundos e ficamos em silêncio a ver o belo espectáculo que a natureza nos proporcionava. Trovoada ao pôr-do-sol, um cenário com cores impossíveis de captar com uma lente de máquina fotográfica.

Depois de uma breve chuvada, que ouvimos relaxadamente a bater nas tendas, o céu clareou e estava na hora de fazer o jantar.



Era a vez do Steve e da Sandra. Mais uma vez, os Kuduro deveriam querer que mantivéssemos a linha. Como ingredientes disponíveis tinham batatas, alho, cenoura, feijões, e um pouco de carne picada que tinha sobrado da bolonhesa da primeira noite de campismo. Ora com esta extensa variedade a Sandra saiu-se bastante bem. Batatas guisadas a acompanhar com a carne estufada com os feijões e cenoura. Muito bom. Pena não ter chegado para saciar os mais famintos.



Tudo se desculpava pois a estepe cazaque é realmente fantástica e estava toda a gente feliz por a poder contemplar. Bebemos uma cerveja e demos 2 dedos de conversa agradável.

Os mosquitos começaram a apoderar-se de nós e por isso, recolhemo-nos para as tendas.








(Pedro a experimentar a sensação de montar uma Tenere)





(cozinheiros ingleses no acampamento)

Fronteira Cazaquistão (KZ) - Aktobe (KZ)
Kms percorridos no Dia 17 – 435km
Kms acumulados da viagem – 7692km


quarta-feira, 16 de junho de 2010

Dia 16 – Samara – Acampamento Selvagem Cazaquistão 1

Saímos do Hotel Oásis em Samara a pensar que o pequeno almoço não tinha sido grande coisa. Mal sabíamos que seria a última coisa que comeríamos antes do jantar…
A passagem da fronteira russo-cazaque começou muito bem, do lado russo, graças a um jovem oficial que tinha aprendido inglês no instituto desde criança e que, consequentemente, falava o inglês mais perfeito que encontramos em solo russo. Apetecia-nos abraçar o rapaz. Simpático, educado e muito interessado na nossa viagem. Quem nos dera que todos os outros oficiais fossem assim.
Do lado cazaque da mesma fronteira reinava a confusão e a anarquia. Os utilizadores da fronteira não eram admitidos por ordem de chegada, mas sim, segundo a vontade do militar que controlava a cancela. Como é bom de ver, isso dava lugar ao livre arbítrio e a prioridades esquisitas para cidadãos cazaquistaneses e para russos a bordo de carros de gama alta. Além de tudo isto, os camiões e os autocarros tinham prioridade legal sobre nós, pelo que, a espera foi longa.


(Quadros de informação em russo e apenas em russo eram de pouca serventia ao nosso grupo. Supostamente, pelo que nos foi dito, estes quadros indicavam o modo de preenchimento correcto dos papéis que necessitavamos preencher para passar a fronteira)

(Werner a verificar um ruído na roda direita que surgiu ainda antes da fronteira entre a Rússia e o Cazaquistão)

Ao chegar ao penúltimo de 4 pontos de controlo dentro da metade cazaque da fronteira, solicitaram a exibição de um seguro do veículo válido no Cazaquistão, seguro esse, que, deveria ser obtido 200 metros após a fronteira. Então, por sugestão do guarda, um dos elementos da comitiva portuguesa, teve de entrar ilegalmente no país para ir adquirir o seguro e tratar de outros documentos. Os contentores e barracões a 200 metros da fronteira faziam-nos sentir que estávamos a ser vítimas de extorsão, já que, o nosso veículo já tinha extensão territorial para a Rússia, Cazaquistão e Mongólia. No entanto, o pensamento positivo e foco no objectivo, fizeram com que relevássemos determinadas atitudes e não partíssemos os contentores ao pontapé.

Ao fim de 7 horas e alguns minutos, todos os elementos da expedição tinham ultrapassado as burocracias russas e cazaques e estávamos a pisar solo independente, desde 1991, da república do Cazaquistão. Fomos dar de beber ao Adamastor a 74 escudos por litro… Sim, é verdade, a moeda do Cazaquistão equivale, neste momento, aproximadamente, ao nosso escudo, portanto 1 litro de diesel, custaria 0,37 cêntimos. Um luxo!!

(segurança de bomba de gasolina armado de metralhadora)





Chegados ao local de acampamento, foram tomadas as providências para que tivéssemos a comida pronta o mais cedo possível. Enquanto esperávamos que o Chef Pedro Afonso preparasse um belo repasto, avistávamos, ao longe, as aldeias vizinhas, mas pouco vizinhas, já que não ouvimos nenhum som, durante a noite, que de lá viesse. Os poucos Cazaques que estavam de regresso a casa cumprimentavam-nos ao passar, fosse com a buzina ou acenando, pensando com os seus botões: “Grandes malucos, foram acampar no sítio com mais gafanhotos cá da terra!”. Graças à abundância de insectos, os grilos quiseram presentear-nos com um concerto à luz das estrelas e da lua. O cansaço, depois da “seca” na fronteira, era grande, pelo que não conseguimos acompanhar o espectáculo dos vizinhos grilos até ao fim.
O jantar foi unanimemente aplaudido pelos presentes, sendo que, alguns, consideraram até que a fasquia tinha sido demasiado elevada, de tal modo que, os próximos cozinheiros poder-se-iam sentir pressionados.


Samara (RUS) – Fronteira Cazaquistão (KZ)
Kms percorridos no Dia 16 – 791km
Kms acumulados da viagem – 7257km