segunda-feira, 5 de julho de 2010

Dia 01 - O Cantor Mongol

O sol começou a bater nas tendas bem cedo. O nosso organismo já estava a habituar-se ao ritmo destas férias e, às 6h, já toda a gente acordava com mais ou menos boa disposição.


Os terrenos da Mongólia esperavam-nos. Havia muitos km a percorrer e, por isso, engolimos o que ainda havia disponível para o pequeno-almoço: Weetabix e o último pacote de leite.

Pelo caminho, vários rebanhos de cabras e ovelhas se revelavam aos nossos olhos. Todas com aspecto bastante saudável e suculento, iam fazendo com que alguns membros da comitiva portuguesa salivassem na antevisão de um petisco daqueles e desejassem adquirir um dos belos espécimes que por ali pastavam.


Na tentativa de estabelecer um diálogo com o pastor que distraidamente cavalgava à volta do seu rebanho, encostamos o Adamastor. O pastor, desconfiado com a aproximação de dois estranhos, afastou-se sem dar oportunidade a que se estabelecesse qualquer diálogo ou se pudesse fazer qualquer negócio. Teria de ficar para uma próxima e tentaríamos outro tipo de abordagem.

Com toda esta azáfama, seguimos viagem deixando para trás, algures no terreno de pastagem, o nosso precioso “black book”, onde religiosamente apontávamos pormenores importantíssimos à execução deste blog. Desta feita, pedimos desculpa aos mais interessados por a contagem de km não ser a mais rigorosa nestes últimos 2 dias.

Próxima paragem: almoço! Desta vez, não almoçamos numa estação de serviço com cheiro a gasóleo a condimentar as sandes, mas um pouco mais acima onde tínhamos uma vista da pequena cidade de Altai.

Aquecemos o Strogonoff do dia anterior para os 3 já que a organização não demonstrou qualquer interesse em guardar as sobras. Deliciamo-nos com o petisco e recebemos alguns olhares de inveja daqueles que comiam sandes de tomate e queijo.

No final do almoço, falou-se em ir fazer umas comprinhas de alimentos e bebidas, aproveitando a passagem pela pequena cidade, já que nos próximos dias iríamos acampar sem qualquer garantia de passar por alguma cidade como Altai.

De imediato a fantástica organização negou tal coisa aos participantes da expedição argumentando que era necessário seguir viagem.

Inconformados com tal situação, os Tugas rebelaram-se e informaram que iriam à cidade de qualquer das formas. Aqui, as coisas mudaram de figura. “Ah e tal, então tragam-nos umas coisinhas que estamos a precisar que nós damos-vos o dinheiro”. Lá fizeram a lista sovina de apenas leite, tomate, pepinos e bananas. Tudo o que iriam precisar para os próximos dias. Lá iriam continuar os almoços de sandes de tomate e pepino e pequenos-almoços de Weetabix com leite à boa maneira a que nos habituaram.

Aventuramo-nos então pela cidade, onde não conseguíamos distinguir as tabuletas e descobrir um supermercado. Em russo já nos desenrascávamos, mas em mongol…já era outra história.

Lá perguntamos aos locais onde haveria um e, além de descobrirmos que a hora tinha mudado (os relógios dos habitantes de Altai marcavam uma hora a mais dos nossos), fomos informados que o mercado de frescos só abriria daí a meia hora.

Enquanto esperávamos, avistamos o que nos pareceu uma loja tipo 300 do outro lado da rua. Ao espreitar, apercebemo-nos que estávamos redondamente enganados, pois percebíamos zero de mongol. Afinal era uma tasca e entramos no intuito de tomar um café, ou melhor, para uma água quente tingida de preto.

Ao entrarmos, deparamo-nos com o estabelecimento cheio, sem qualquer mesa disponível. Fez-se um silêncio constrangedor na sala e logo depois todos nos cumprimentaram com ar alegre mas ao mesmo tempo surpreendido por ver turistas por ali.

Um casal de idosos mongóis, que se encontrava sentado numa mesa do canto da sala, continuava a cumprimentar-nos efusivamente ao mesmo tempo que os dois faziam gestos para nos sentarmos com eles à mesa. Aceitamos o convite.

Era um casal bastante peculiar. Envergavam vestes tradicionalmente mongóis, destacando-se de todos os que se encontravam na sala. Bebericavam o famoso leite fermentado de cabra e a degustar as tradicionais panquecas de cordeiro. Nenhum deles falava inglês e nós não falávamos mongol.

Sendo o sorriso universal, começamos por aí. Apontamos para o peito e dissemos “Portugalio”. Arrancamos mais uns sorrisos e começamos com algumas mímicas. Depressa nos apercebemos que o senhor deveria ser famoso. Era cantor. Logo depois a sua esposa mostrou-nos o seu cartão de astróloga profissional.

Durante as mímicas e os desenhos, a senhora astróloga começa a distribuir em pequenos saquinhos um misterioso pó branco que transportava consigo na sua carteira, entregando um a cada um de nós. Intrigados com a situação, ficamos renitentes quanto em aceitar, até que eles mergulham o dedo dentro do saco desse pó e o levam à boca com ar de satisfação, pedindo que fizéssemos o mesmo… Como é má educação recusar qualquer coisa a um mongol, lá repetimos os seus gestos. Aquele pó que tão preciosamente guardavam, era nada mais nada menos que açúcar refinado! Pura energia para os momentos em que nos sentimos em baixo.

Logo a seguir entrega-nos outro saquinho a cada um, desta vez contendo algum tipo de erva. A cena tornava-se cada vez mais bizarra. Vendo as nossas caras de espanto, o cantor mongol colocou um pouco dessa erva na base da sua chávena e iniciou um pequeno ritual. Queimou a erva e levou o seu vapor ao rosto, em jeito de oração. Desfizeram-se todas as dúvidas.

Agradecidos pelos presentes despedimo-nos deste casal excêntrico que nos proporcionou um agradável momento nesta viagem.

A nossa missão ainda não estava cumprida e por isso direccionamo-nos ao mercado. Espantamo-nos com os preços da fruta e legumes na Mongólia. Uma melancia custou-nos tanto quanto uma garrafa de vodka da melhor qualidade… Há prioridades quanto aos bens essenciais!

À saída de Altai o Adamastor foi bastante cobiçado, tendo quase ficado a viver na Mongólia para sempre. O Carlos pediu $35.000 pela máquina. O mongol, confuso entendeu $55.000, ao que chegaram ao proveitoso equilíbrio de $45.000. Um caso raro em que a barreira linguística ia permitir um negócio mais rentável. Não fosse a pressa de voltar à estrada para encontrar o resto do grupo e o negócio ficava feito.

Esperava-nos mais uma noite de campismo selvagem, tendo como tecto o céu imenso da Mongólia.

O jantar foi cozinhado pela Sandra e pelo Steve com os recursos disponibilizados pela organização. Cenouras mongóis murchas e pretas, batatas mirradas e um molho de caril confortou o estômago do grupo e desconfortou o dos Tugas… Apelidamos este jantar carinhosamente de “black carrots dinner”.



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